Análise

Análise: Salto Triplo Ex-mortal

Proteção para a cabeça: quando o interesse comercial coincide com o interesse politicamente correto

Head protection, side glass

Head protection, side glass

Giorgio Piola

Head protection, closed
Projeto de proteção para cabeça dos pilotos
(L to R): Kevin Magnussen, Renault F1 Team, Esteban Ocon, Renault Sport F1 Team test driver, Carlos Ghosn, Chairman of Renault, Jolyon Palmer,  Renault Sport F1 Team,  Jerome Stoll,  Renault Sport F1 President, Frederic Vasseur, Renault Sport Formula One Team Racing Director, Cyril Abiteboul,  Renault Sport F1 Managing Director
Projeto de proteção para cabeça dos pilotos
Benoît Tréluyer, André Lotterer, Audi Sport Team Joest
Ferrari SF-16H
Projeto de proteção para cabeça dos pilotos
FIA closed cockpit testing
FIA closed cockpit testing
FIA testando cockpit fechado
FIA closed cockpit testing
Scuderia Toro Rosso STR8 cockpit
Cockpit detail
2016 Audi R18 e-tron quattro
Detalhe do Ferrari SF16-H
Red Bull Racing RB12 livery detail

A comparação entre o mundo da Fórmula 1 e o circo é sempre tão usada porque se renova frequentemente em aspectos diferentes. A questão da instalação de uma cobertura no cockpit para proteção da cabeça durante acidentes se assemelha a mesma discussão que houve em décadas passadas em relação a instalação ou não de uma rede de proteção nos números de trapézio, via de regra, a maior atração dos circos tradicionais. 

Assim como os pilotos do automobilismo esportivo usam simuladores computacionais em seus treinos, os trapezistas também usavam uma rede de proteção instalada em toda a área onde poderiam cair, caso houvesse uma falha no exercício que praticavam. Seria impossível o aprendizado de novos artistas do trapézio se não fossem essas redes de proteção. Mesmo treinamentos realizados a baixa altura apresentavam sérios riscos , principalmente naqueles tempos que não contavam com os recursos da medicina de hoje em dia. No início do século XX, na Europa, a expectativa média de vida era de pouco mais de 40 anos.

No entanto, durante a apresentação ao público, as redes não eram montadas porque achavam que justamente o risco de vida que os acrobatas tinham durante sua apresentação é que trazia a emoção que todos queriam. Traduzindo sem meias palavras: Achavam que a possibilidade de morte é que trazia o público para debaixo das lonas. Reminiscências primitivas dos tempos do Coliseu romano ou, não indo muito longe, das touradas ainda praticadas na Espanha, seria o pano de fundo desse ponto de vista, talvez.

Evolução em tudo

As sociedades humanas evoluiriam muito a partir do final da Segunda Guerra Mundial. As descobertas da medicina durante a guerra; a grande mecanização das lavouras aumentando a oferta de comida; a democratização do ensino; a inclusão do pensamento feminino – mais prudente - como opinião relevante; meios de transportes mais rápidos e eficientes; tudo contribuiu para o alongamento da vida humana, valorizando-a culturalmente.

Hoje em dia, levar uma criança ao circo sob o risco de que esta veja um acidente fatal se tornou algo no mínimo questionável. Shows acrobáticos foram lentamente extinguidos até que fios de arame garantissem segurança em qualquer pirueta mais arriscada.

Mito envergonhado

No entanto, ninguém tocou no mito de que o risco de morte era a grande atração. Esportes radicais se multiplicaram levando o homem a práticas arriscadíssimas que são filmadas, editadas e mostradas em toda parte com grande interesse. Mas o público sabe que se aquilo está sendo mostrado longe dos noticiários é porque tudo teve um final feliz. O entendimento de que haveria um risco se mostra totalmente eficiente para gerar emoções.

Diversas pessoas, sejam elas simples fãs ou profissionais ligados a F1, provavelmente baseadas em seus gostos particulares ou no fator 'show business', acham que não se pode tirar a radicalidade da Fórmula 1, pois temem que ela perca o interesse. De forma eufemística, falam de raízes e essências do esporte. O mesmo que dizer que o quê dá gosto a galinha é o molho pardo, omitindo que esse molho é feito com o próprio sangue do animal. A questão, no entanto, não é refutar esse ponto de vista na base do pensamento politicamente correto, é refutá-lo em sua própria visão comercial limitada.

Uma morte nas pistas afasta mais fãs do esporte do que atrai pessoas avidas por fortes emoções reais ou fictícias. Não existe uma estatística precisa, mas sabe-se que milhões de pessoas em todo o mundo deixaram de se interessar ou acompanhar a Fórmula 1 após a morte de Ayrton Senna, talvez o piloto mais popular que esse esporte já conheceu.

Voltando ao mundo dos circos, uma morte acidental durante uma apresentação circense prejudica o funcionamento do empreendimento por anos a fio, existindo até o risco de seu nome comercial ficar estigmatizado e sofrer rejeições para sempre.

A contradição positiva

Outro aspecto comparativo pertinente para a questão da proteção de cabeça dos pilotos da F1 é em relação ao rúgbi e o futebol americano. Todos dois esportes possuem regras e objetivos muito semelhantes, basta dizer que ambos se utilizam de objetos ovalados que chamam de bola, todavia joga-se o rúgbi de calção curto sem nenhuma proteção nos joelhos, ombros, ou cabeça.

Se existe alguma verdade que o risco de acidentes com ferimentos é o fator que mais atrai as grandes massas, era para o rúgbi, ao menos, ser um esporte muito mais popular nos EUA do que o futebol americano. Isto não ocorre. O futebol americano com toda a sua armadura de proteção é muito mais popular que o rúgbi.

A falta de armadura faz com que os jogadores de rúgbi não se exponham tanto nas 'trombadas' humanas dadas durante as partidas e isso faz uma grande diferença no espetáculo que oferecem. O futebol americano é visualmente mais violento sem ter os mesmos riscos de ferimento que o rúgbi, certamente uma contradição.

Podemos esperar que as corridas de F1 fiquem mais espetaculares e competitivas a partir do momento que os pilotos tenham mais confiança por estarem mais protegidos? Poderemos esperar um metafórico 'Salto Triplo Ex-mortal' nas pistas, sabedores que nossos ídolos não correm risco de morrerem enquanto fazem o que torcemos que façam?

Tentar salvar vidas sempre será mais acertado do que não tentar. Uma afirmação que tanto vale para a alma quanto para o bolso.

 

João C. Corrêa trabalha há quase 5 anos na sede da Motosport.com Global em Miami. No Brasil trabalhou durante muitos anos como programador (Buccaneer Software-MSX).

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